por Keila, a Loba, em 09.12.06
Eu estava apressada, e andava lentamente para suportar o calor e o cansaço das compras de dezembro no centro de Fortaleza, mas não pude conter a curiosidade ao perceber aquela criatura:
Estava sentado na calçada de forma tipicamente entregue, trajava uma roupa suja, estava com os pés descalços, se adiantava aos transeuntes para pedir comida e dinheiro a quem passava, e de forma heróica arriscava largos sorrisos quando alguém punha uns trocados na garrafa de pet cortada. Notei que seus cabelos estavam despenteados e duros, o rosto sujo de uma mistura de suor e grafite, o sulco lateral da boca não escondia o ferimento contaminado, mas o que mais chamava a atenção eram os olhos: tristes e inconsolados, mas um misto de azul profundo e sentimento pareciam gritar que aquele era alguém especial.
Enfeitiçada pelo olhar, pretensamente procurei me sentar na lanchonete mais próxima e pedi um lanche rápido. Notei o pedinte sendo abordado por uma menininha de uns 5 ou 6 anos e sua mãe, mas a cena seguinte foi digna de aplauso: ela, a garotinha, puxou a camisa do pedinte com uma das mãos e com a outra pôs algumas moedas naquelas mãos envelhecidas, abrindo em seguida um lindo e inocente sorriso.
O pedinte coçou os olhos como quem quis chorar, abaixou-se, pegou um saco e de lá tirou um pedaço de tecido limpo, enrolou as mãos no tecido e pegou as mãos da menininha, agradecendo. Em seguida, pôs nas mãos delicadas da menina um pedacinho de papel.
A mãe da menininha sorriu, e percebi que ela perguntou alguma coisa absolutamente inaudível.Foi quando afastei a cadeira com tanta força, para não perder os detalhes da cena, que um barulho súbito chamou a atenção do trio. Evitei o olhar, remexi o corpo, até para não me denunciar, mas era tarde demais.
A menininha e sua mãe se despediram do pedinte, e imediatamente o vi caminhando na minha direção. Fiquei sem jeito, mas me preparei para chamar o atendente e pedir um calórico lanche para o meu "amigo", quando ele parou diante de mim, sorrindo, e sugeriu me entregar alguma coisa que eu não soube identificar.
Eu não entendi, e perguntei o que era aquilo; ele sorriu de novo e me entregou uma mensagem que dizia: "O que você esteve procurando não tinha sentido algum porque a vida é um milagre, um grande e poderoso milagre, e só quem acredita, trabalha, ama, compreende e se compadece terá preenchido o seu coração com o espírito de Deus. Sou surdo-mudo, doente e pobre, mas amo".
Eu li e chorei, aliás, nós dois choramos; e com os olhos marejados percebi que aquele senhor era Jacinto, um paciente com graves problemas de saúde que havia abandonado o tratamento para "SER FELIZ" - era o que ele dizia.
Longe dos remédios, dos profissionais de saúde e da rotina mortificante casa-hospital-UTI-enfermaria-casa ele foi tão infeliz que deixou-se abandonar nas ruas, entregue à vida e aos seus caminhos.
Quem pode entender, senão ele e Deus?
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34 comentários
Aii miga ke post gracinha de lindo..vc hem..danadinha ..sempre me emociono quando venho aki!!! vim deixar bjus em vc e desejar dias felizes.