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O TEMPO

por Keila, a Loba, em 26.01.07
Há dois anos atrás eu tinha um pai adoentado, porém, vivo. Lembro-me do sufoco que passamos juntos, as entradas no hospital, as incertezas quanto ao presente e futuro, a vida... e inacreditavelmente hoje pela manhã sonhei com ele, o Heitor, o meu pai.
Esse encontro não me rendeu tão somente as lágrimas da saudade, mas a dor da solidão, o medo, até mesmo uma certa dose de estar vivendo quase a mesma coisa com o meu irmão. Foram momentos inesquecíveis e tocantes, motivo pelo qual re-postarei aqui toda a emoção vivida.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2005.


Era uma quinta-feira quando papai sentiu mais forte os incômodos que o fariam dar entrada na emergência logo na sexta pela manhã. Foi um sufoco tão sério como foram os anteriores: não conseguiu despertar, ficou com um aspecto macerado, sem vida e sem cor, sua respiração era mantida via oxigênio, sua vida estava no fio da navalha. Com a chegada dos para-médicos, constatou-se um edema pulmonar, o mais novo diagnóstico dentre outros listados em seu prontuário. Saiu de casa em coma, e em coma permanece até agora.


De quinta à noite até sexta pela manhã, 04 paradas cardíacas haviam maltratado o seu coração já adoecido, envelhecido, mas desperto para a vida, pois tudo o que ele não quer é encontrar-se com a morte. Contar às vezes em que esteve assim, tão entregue aos caminhos da eternidade, fariam encher uma página inteira de acontecimentos. Mas resolvi publicar aqui uma conversa que me faz chorar, e que eu poderia ter dito a ele enquanto esteve vivo e lúcido. Sabe-se lá por que as palavras não se sobrepõem à vontade, e saem da boca como que vomitadas quando mais precisamos delas?


Pai...


Vê-lo inerte na cama desse hospital me fez pensar que a saga desse guerreiro chegou ao fim. Segurando a sua mão, lembrei das tantas vezes em que médicos e exames traçaram prognósticos sombrios e vazios.... Mas a partida aconteceu quando as memórias da guerra, dos desencontros e da família resolveram buscar outras paragens que não essa Terra, que não esse tempo, pois o que resta de mais pungente agora é a certeza de que lutou com todas as forças para viver. Eis o seu e o nosso legado.


Sabe, papai, dizer que a vida foi boa e confortável para nós seria omitir as tantas vezes em que nos permitimos chorar, desacreditar e sofrer pelas ausências que nos impomos ao longo dos anos. E pergunto: O que nos faltou? O que houve conosco? Só hoje percebo que tínhamos quase tudo para que a tal felicidade nos preenchesse a alma. Tínhamos uma mãe guerreira à frente das nossas vidas, foi-nos ensinado que a coragem e o ser falam mais alto do que qualquer outra força e, sobretudo, vimos o senhor e a mainha firme, seguindo com dignidade e maestria os caminhos da vida. O que ainda não conseguimos perceber, então?


Amanhã, quando da sua presença restar um punhado de sementes em nossas vidas, tal e qual o jardim que a guerreira Ruth plantou e cuidou para nós, precisaremos ter extraído o ensinamento maior, escondido na cadeia de acontecimentos que marcaram todos esses anos. Quererei entender que o Senhor Deus permitiu que mágoas inexplicáveis pudessem ser desfeitas quando vi o cuidado com que o Januzy pegou o senhor nos braços, usando uma força que nem tinha, e colocou-o na cadeira de rodas para alimentá-lo como fazemos com os bebês. E, contemplando a beleza de uma outra cena, também vi que o senhor e o Januzy permaneceram um na companhia do outro por todo o período em que esteve doente, contrariando memórias passadas que se opuseram ao amor entre pai e filho. Quem pode entender as mensagens de Deus, senão o coração?


Também abstrai das ações rotineiras envolvidas no trocar fraldas, banhar, alimentar, fazer barba e cortar unhas, coisas que o guerreiro Heitor não teria como imaginar em sua vida, outrora livre e cheia se emoção, mas que imprimiram uma mensagem mais forte do que qualquer outra já ensinada: Não poderemos viver ou sobreviver sem o outro.


Se saberemos decifrar os apelos que virão após a sua partida, se estaremos dispostos a juntar as nossas migalhas de felicidade para estarmos juntos, papai, eis que a sua e a lição da mainha terão que germinar boas sementes em terras fertilizadas com a esperança.


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É lua minguante no céu estrelado de Fortaleza. Nesse momento, os anjos estão em vigília pelo sr. Heitor, assim como estão ao lado de todos os que sofrem a incerteza da partida. Ir embora dessa vida, deixar de lado os amores, a família e esse Sol que nos protege é deixar par atrás uma vida de encontros e desencontros para construir uma outra em algum lugar, sem endereço ou destino certo.


Em pé, no alto da colina, uivando em noite de Lua pequena, a Loba anuncia que se retirará por alguns dias, mas ficará com saudades da sua matilha. Se a ausência que agora maltrata o coração for partilhada pelos que vou deixando aqui, peço-lhes que que uivem alto, forte e com amor, pois onde estiver estarei ouvindo e sabendo que nossos encontros não terão sido em vão.


"Tu és eternamente responsável pelo Lobo que cativas".


Beijoooooooooooosssss da Loba

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publicado às 17:26


1 comentário

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De Águamarinha a 27.01.2007 às 00:38


Loba, estava no Sofá Azul e resolvi olhar os blogs lá linkados. Foi quando abri o blog de Zen e ví seu link. Tinha perdido vc de vista. Pensei que não fosse mais blogar. Fiquei com muita pena quando há um tempo atrás vc se despediu. Que bom saber que está de volta, mesmo estando ausente.
Qual blogueiro um dia não precisa se afastar por motivos pessoais?
Tem que procurar voltar logo, seus uivos fazem falta. Sempre fui grande admiradora do seu trabalho.
Beijos com carinho, uma semana feliz. Que a proteção divina esteja sempre com vc.

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