por Keila, a Loba, em 02.09.06
Agradeço a generosidade da menina que se tornou uma linda advogada, a Nana, que com sua doçura e encantamento deu aos Uivos da Loba o selo destaque, o qual ostento aqui com muito orgulho. Obrigada, Nana!

Estávamos caminhando a algumas horas por entre as matas da íngreme estrada que nos conduziria à Bica do Ipú, atração turística de uma cidadezinha extremamente aconchegante no norte do Ceará. Era impossível não observar a natureza majestosa, seus tons e sobre-tons de verdes, amarelos, dourados e azuis pelo caminho, cores que não ofuscavam os olhos, mas provocavam a desconcertante sensação de que somos pós de estrelas como alegam os físicos e místicos da atualidade.
Cada ave que cantava nas galhadas, as folhas que voavam por entre as notas melodiosas do vento, o burburinho da água que caía do alto da bica às pedras, tudo, parecia estar sendo regido por uma força que preenchia todas as células do meu corpo; e me vi tão feliz, tão solta, e pensei na grandeza de Deus.
Por alguns momentos percebi que sabia de algo mais que não tinha o menor ou maior conhecimento minutos antes de ter iniciado a caminhada. O que seria? Sinceramente, não sei dizer, não há palavras para descrever o encontro com o * Numinoso; e essa ausência de palavras me fez lembrar uma frase de D. H. Lawrence, Não existimos a não ser que, de forma profunda e sensual, estejamos em contato com o que pode ser tocado, mas não conhecido.

Estar assim, sentir-se assim, é permitir sermos tocados por uma qualidade de ser ou de luz que não depende da simples emoção estética. Não é somente belo como o pôr do sol, como o desfazer-se das brumas na primavera ou a luminosidade bem nítida da papoula no meio dos trigais, mas um momento em que ficamos pregados no chão, abertos ao céu, em total silêncio de si e dos outros.
O fato é que essa estreita interconexão de todas as coisas é algo experimentado por todas as fibras do nosso corpo. De repente, já não me senti a turista nas terras e águas sagradas do Ipu, mas me percorreu a sensação de ser a própria galáxia aberta e contida no minúsculo espaço-tempo-vida que ocupo como Keila, a Loba. Eu me senti dentro da paisagem e não diante dela; senti que as árvores, a água, o vento, a majestade da vida e toda a sua imponência servil compuseram comigo. O mundo pareceu-me transfigurado de tal modo que fui tomada por uma alegria transbordante, um estado de ser oceânico em que eu sabia, apenas sabia....
O despertar é um processo inteiro, que exige atenção e contemplação, pois é preciso estar atento e saber que os caminhos do campo, que aparentemente não nos levam a parte alguma, acabam por nos conduzir ao encontro desse outro de nome natureza. Trata-se do deixar ser. Isso é como a primavera: sem por que e para quem.
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