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A morte é tão misteriosa quanto bela

por Keila, a Loba, em 29.10.06
Tem nome mais doce e generoso que Melina? Ela e seus selinhos me encantam e enfeitam minha casa, eis por que meus Uivos estão mais melodiosos.

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Estávamos voltando do médico com minha filha mais velha, Fernanda, que se lamentava das dores de garganta provocadas por uma infecção misteriosa que havia se instalado na madrugada. Febril, irritada, ela pedia que dirigisse mais rápido para estar em casa e tomar banho, enfim, queria descansar. E subitamente, ao dobrar a esquina de casa, lembrei da minha mãe e eu quis retornar para almoçarmos juntas, pois era domingo de páscoa, e naquele exato momento eu sabia que meus pais estavam pondo a mesa, tomando um bom vinho tinto e se preparando para cear.

Já em casa, lembrei de telefonar para a casa dos meus pais e me certificar de que a minha irmã, Marta, estava com a bolsa que eu usaria na missa que viria acontecer só mais tarde, em Maranguape, cidade onde nasceram os meus pais. Mas estávamos atrasados para o almoço, Fernanda pedia o remédio para gargarejar, e ainda apareceu uma vizinha me chamando no portão para saber se em casa havia elixir paregórico, e por isso eu não consegui ligar ou me certificar da tal bolsa e dos preparativos da viagem.

Contarei aqui o mistério que envolveu a minha mãe e toda a família para que fosse celebrada uma missa em benefício de todos os mortos da família, em Maranguape, em pleno domingo de páscoa.

Na terça-feira da mesma semana, ao sair do trabalho passei na casa dos meus pais como de costume. Ao procurar minha mãe por entre as plantas do imenso jardim, vi-a regando um vaso com um semblante estranho, estava séria e me olhou como que espantada. Revelou, com as mãos trêmulas, que na noite anterior havia visto imagens disformes que mais pareciam fantasmas rodeando a sua cama. Sentiu um medo paralisante ao ver aquelas “pessoas”, quis levantar-se para dar fim a visita inesperada e não conseguiu. Por fim, como que solicitada a olhar em volta com atenção, ela identificou uma daquelas “pessoas” como seu pai, que estava rindo e movimentando as mãos como quem pretendesse dizer algo.

Quando reconheceu a figura paterna entre os demais, imediatamente ajustou-se à cama, aguçou a vista, e quando conseguiu movimentar todo o corpo, era tarde demais: os visitantes haviam ido embora. Restou a estranha sensação de que “Vieram anunciar algo!”; e esse algo foi interpretado como a necessidade de uma linda celebração em benefício dos pais, irmãos, tios, parentes, primos e amigos mortos.

Fernanda havia tomado um pouco de leite morno no almoço e já estava deitada, eu estava arrumando algumas coisas na cozinha e sentia o corpo mole, queria deitar um pouco antes de viajar, e meu marido acenou para o relógio: passava das 13 horas. Pela segunda vez, o rosto da “mainha” surgiu por entre os meus pensamentos, e aquela imagem me fez perceber ser urgente pegar o telefone para saber se estava tudo em ordem. Outra vez a vizinha me chama ao portão, desta vez com a filha aos prantos. Ela me falava das noites mal dormidas, da infecção intestinal que a filha havia contraído, e eu senti um calor, uma sensação ruim, e já não ouvia o que falávamos, então me desculpei e subi para descansar antes de sair.

Estava tão cansada, sonolenta e estressada que adormeci imediatamente. Sonhei que estava no alto de uma montanha contemplando a linda paisagem. Havia uma outra montanha à minha frente, e eu estava em local privilegiado, inteiramente encantada com o verde, maravilhada com as águas que caíam de uma cachoeira, e continuava de pé apenas observando. Sem fazer barulho ou indicar quaisquer outros movimentos, da montanha à minha frente surgiu um portal enorme, que parecia um monstruoso outdoor. Este portal estava como que deitado; então ele levantou-se em um rápido movimento que imitava uma porta, e por entre a sua dimensão física aberta percebi passar um sopro, um vento, alguma coisa fluida que eu não sei definir.

Na montanha onde eu estava, o portal que estava de pé e fechado, abriu para deixar sair a fluidez que carregada e selou suas portas, caindo e permanecendo imóvel e invisível logo em seguida. Lembro de ter-me perguntado o que significava aquilo, qual mensagem eu fui literalmente convidada a presenciar. Questionando em sonho a minha presença na montanha, ao mesmo tempo em que sabia estar adormecida na cama, acordei sobressaltada com a voz do meu marido, me chamando para atender ao telefone. Era a minha mãe, a Ruth, que perguntava por que a demora, quando todos os meus irmãos já haviam chegado e estavam todos aguardando a Topic que nos levaria a missa.

Carinhosa, ela disse estar usando o conjunto que havíamos escolhido para aquele evento, mas deixou claro que não se sentia a vontade com aquela roupa, e só estava usando por minha causa. Também disse que havia deixado na mesa da cozinha um bolo mole que eu adorava, e que havia feito 7 deles, um para cada filho. Enfim, pediu que nos apressássemos, era tarde e ela nos queria o mais rápido possível em casa. Lembro, inclusive do seu tom de voz, do carinho, do jeitinho de mãe ao falar.

Soltei o telefone e corri para tomar banho, me arrumar e tomar café, mas as horas pareciam não passar, ou eu me demorava, não sei ao certo. Ouvi novamente um choro de criança na rua, fui ver se Fernanda estava com febre, procurei as sandálias, peguei os documentos... As horas passavam com rapidez, mas de uma forma que eu não consigo explicar, fui me atrasando, demorando, o tempo passando, sinais vermelhos em quase todos os cruzamentos, lentidão no trânsito...



Ao chegar ao portão da casa dos meus pais, vi meu irmão triste, olhos vermelhos, fisionomia preocupada, e perguntei o que havia acontecido. Ele, chorando, me contou que “mainha” havia acabado de falar comigo ao telefone quando se queixou da roupa apertada, então foi ao quarto trocar o sutiã, que estava apertando e sufocando. Ouviram um barulho forte que surgiu na direção do seu quarto, perguntaram o que havia sido aquilo e ninguém respondeu. Minutos depois, encontraram minha mãe caída ao chão, inconsciente.

Minha irmã, médica, correu para massagear o coração, foi um corre-corre, fizeram boca-a-boca, puseram minha mãe na topic e a levaram ao hospital de emergência mais próximo. No caminho, “mainha” ainda conseguiu abrir os olhos e sorriu, mais nada.
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De uma forma misteriosa e divina, minha mãe foi embora tal e qual pedia com fervor à Nossa Senhora de Fátima em suas preces: que no dia da sua viagem, ela apenas tirasse do corpo a roupa velha e pesada que estivesse usando para partir leve, feliz e sem tempo ou sem querer dizer que seu dia havia chegado.

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