"O tempo é como um rio.
Você não pode tocar a água de
um rio duas vezes,
porque a água que passou por
entre as suas mãos não é a
mesma que vai molhar a
sua cabeça".
O selinho, “Blog Que Não Tem Preço”, que a Vitória me presenteou, está à disposição dos que têm um blog e o consideram valioso demais para ter limites em um cantinho tão especial.
Fiquei chocada e profundamente solidária para com aqueles que perderam familiares e/ou suas casas nas águas que ainda banham o Estado de Santa Catarina desde o dia 27 de novembro último. O que vi pela televisão, chocou pela fúria com que as chuvas destruíram casas e estradas, separaram famílias, arrasaram plantações, arrastaram carros e caminhões, e levaram embora anos de trabalho, investimentos e o progresso do governo catarinense e de seu povo. O alívio aconteceu quando o William Bonner comentou que, enquanto a equipe de reportagem da rede globo fazia as imagens da tragédia, pessoas afetadas pela tempestade falaram em alto e bom tom, “As águas levaram, mas nós reconstruiremos!”. Nesse instante, tive a exata dimensão do poder de reação e da valentia do povo brasileiro.
As tragédias nos mostram em fatos e cores a vulnerabilidade de todas as coisas que acreditamos e construímos, sejam grandes impérios industriais ou mesmo nossas casas, e provocam sentimentos de dor e solidariedade que nenhum outro acontecimento consegue reunir de forma tão emocional. Outro detalhe importante, é perceber que as aquisições materiais, por mais sólidas e importantes que sejam, são insignificantes, e mostram-se incapazes de minimizar as perdas humanas violentamente roubadas por acontecimentos naturais ou provocados pelo homem.
Relembre a tragédia das Torres Gêmeas, por exemplo. Quando tombaram ao chão, em 11/09/2001, ruiu com elas o orgulho do povo americano, que via naquele complexo de edifícios o símbolo máximo do poder e invulnerabilidade do país mais rico do mundo. Tudo aquilo era mera ilusão. Por algum tempo, os prejuízos financeiros foram calculados e recontados, as televisões do mundo inteiro mostraram toneladas de ferro retorcido, e uma dívida final foi apresentada em forma de alguns bilhões de dólares que interessa muito mais ao governo americano. Na contrapartida, as perdas humanas, cada uma das histórias pessoais exibidas na mídia mundializada, através de cenas familiares, bilhetes e fatos ocorridos antes e no dia da tragédia, serão eternamente sentidos, vividos, sofridos, e são tão atuais que ainda provocam lágrimas em que as vê e ouve.
Voltando às enchentes, as águas em excesso em Santa Catarina são o oposto das águas escassas no Nordeste, sendo essa diferença o motivo da nossa atual semelhança. Os exageros, em ambos os casos, trazem morte, sede, doenças, fome, separam famílias, mobilizam governos, causam prejuízos e atrasam o desenvolvimento regional. Em ambos os casos, uma coisa é certa: haverá muita luta e trabalho, mas o povo sobreviverá.
Nem sempre a seca no Nordeste convida o povo brasileiro à solidariedade. O nordestino sofre o absurdo preconceito de que somos escória social, e por isso somos violentamente cassados e destratados nas ruas, nos ateiam fogo, nos chamam de “Paraíba!” em alusão a cabeça chata, e nos envergonham e ao Brasil com um movimento sulista para separar a região sul do Brasil. Meu Deus! Essa idéia separatista ressuscita o ariano Hitler, lembra o Apartheid africano, nos coloca em igualdadade com as rivalidades étnicas do Quênia, entre outras.
Intolerancias de magnitudes notadamente preconceituosas, em um país miscigenado como o Brasil, não deveriam nos orgulhar, até porque a população brasileira é mestiça, queira ou não. Nenhum brasileiro tem um sangue nas veias.
Vi na televisão que a população de Fortaleza está se mobilizando para arrecadar colchões, roupas e calçados, e o governo do estado do Ceará está disponibilizando água potável e remédios para os desabrigados em SC. Não fazemos nenhuma grande ação com essa boa ação, mas sei que, se as chuvas tivessem alagado o árido Nordeste, e o Sul se mobilizasse para nos acudir, os donativos fariam aqui, e para os desabrigados da seca, o mesmo efeito que farão em SC, para os desabrigados das enchentes, ou seja: vão aquecer no frio, matar a fome e a sede, medicar doentes e minimizar o sofrimento das pessoas que perderam quase tudo, menos a dignidade e a coragem para reconstruir suas vidas e suas casas.
Se você ligar a televisão hoje, verá que sulistas e nordestinos estão no mesmo patamar de necessidades: um sofre pelo excesso de água, e o outro sofre pela falta dela. É... As tragédias têm um raro poder de nos tornar iguais.