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"O tempo é como um rio. Você não pode tocar a água de um rio duas vezes, porque a água que passou por entre as suas mãos não é a mesma que vai molhar a sua cabeça".
Podemos ter-nos esquecido do seu nome, podemos não atender quando ela chama o nosso; mas na nossa medula nós a conhecemos e sentimos sua falta. Sabemos que ela nos pertence; bem como nós a ela.
Ela também chega a nós através dos sons; da música que faz vibrar o esterno e que anima o coração. Ela chega com o tambor, o assobio, o chamado e o grito. Ela vem com a palavra escrita e falada. Às vezes uma palavra, uma frase, um poema ou uma história soa tão bem, soa tão perfeito que faz com que nos lembremos, pelo menos por um instante, da substância da qual somos feitas e do lugar que é o nosso verdadeiro lar.
Contudo, são esses vislumbres fugazes, originados tanto da beleza quanto da perda, que nos deixam tão desoladas, tão agitadas, tão ansiosas que acabamos por seguir nossa natureza selvagem. É então que saltamos floresta adentro, em meio ao deserto ou à neve, e corremos muito, com nossos olhos varrendo o solo, nossos ouvidos em fina sintonia, procurando em cima e embaixo, em busca de uma pista, um resquício, um sinal de que ela ainda está viva, de que não perdemos nossa oportunidade. E, quando farejamos seu rastro, é natural que corramos muito para alcançá-la, que nos livremos da mesa de trabalho, dos relacionamentos, que esvaziemos nossa mente, viremos uma nova página, insistamos numa ruptura, desobedeçamos as regras, paremos o mundo, porque não vamos mais prosseguir sem ela.
Sem ela, as mulheres não têm ouvidos para ouvir o discurso da sua alma ou para registrar a melodia dos seus próprios ritmos interiores. Sem ela, a visão íntima das mulheres é impedida pela sombra de uma mão, e grande parte dos seus dias é passada num tédio paralisante ou então em pensamentos ilusórios. Sem ela, as mulheres perdem a segurança do apoio da sua alma. Sem ela, elas se esquecem do motivo pelo qual estão aqui; agarram-se às coisas quando seria melhor afastarem-se delas. Sem ela, elas exigem demais, de menos ou nada. Sem ela, elas se calam quando de fato estão ardendo. A Mulher Selvagem é seu instrumento regulador, seu coração, da mesma forma que o coração humano regula o corpo físico.
[...] trata-se de sensações de extraordinária aridez, fadiga, fragilidade, depressão, confusão, de estar amordaçada, calada à força, desestimulada. Sentir-se assustada, deficiente ou fraca, sem inspiração, sem ânimo, sem expressão, sem significado, envergonhada, com uma fúria crônica, instável, amarrada, sem criatividade, reprimida, transtornada.
Sentir-se impotente, insegura, hesitante, bloqueada, incapaz de realizações, entregando a própria criatividade para os outros, escolhendo parceiros, empregos ou amizades que lhe esgotam a energia, sofrendo por viver em desacordo com os próprios ciclos, super protetora de si mesma, inerte, inconstante, vacilante, incapaz de regular a própria marcha ou de fixar limites.
As histórias conferem movimento à nossa vida interior, e isso tem importância especial nos casos em que a vida interior está assustada, presa ou encurralada. As histórias lubrificam as engrenagens, fazem correr a adrenalina, mostram-nos a saída e, apesar das dificuldades, abrem para nós portas amplas em paredes anteriormente fechadas, aberturas que nos levam à terra dos sonhos, que conduzem ao amor e ao aprendizado, que nos devolvem à nossa verdadeira vida de mulheres selvagens e sagazes.